Nos dias de hoje, a importância das crianças e seus interesses encontram-se dispersos nas mais variadas realidades
No plano judiciário, os processos que envolvem menores assumem especial peso e assentam no direito que têm de serem ouvidos sempre que estão em causa os seus interesses, ou mesmo decisões que diretamente lhes dizem respeito.
O direito de audição dos menores tem vindo a ser consagrado em variadíssimos instrumentos internacionais, destacando-se a Convenção das Nações Unidas, onde sobressai o seu direito de participação e informação, Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, o Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003, e as Diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa. A nível nacional, releva, por exemplo, o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro.
É ponto assente que hoje em dia a criança faz parte do mundo dos adultos. Mundo este que, necessariamente, e muitas vezes, coloca as crianças perante realidades que não são as que estas desejariam e as colocam perante um tribunal e um juiz de família e menores quando nada contribuíram para essa causa.
O que podemos esperar e o que a lei consagra na proteção dos seus superiores interesses quando são chamados a dar opinião e a prestar declarações num ambiente por estes considerado tão adverso?
A lei não estabelece uma idade mínima para a criança ser ou vida em tribunal, mas a audição deverá ser sempre realizada num ambiente informal e reservado, com vista a garantir a espontaneidade e sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato por um técnico especializado para o acompanhamento.
No entanto, o nosso legislador entendeu regular as condições em que é dada essa audição, não se entendendo que a de cisão a tomar respeite integralmente essa opinião, mas que seja considerada na ponderação dos interesses em causa e sempre atendendo ao seu superior interesse.
Dispõe o Artigo 5.2 no Regime Geral do Processo Tutelar Cível (Lei n.2 141/2015, de 08 de setembro) as condições e modo como se desenrola essa audição:
1– A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciária s na determinação do seu superior interesse.
2 – O juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito.
3 -A audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma.
4 – A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições ade quadas para o efeito, designadamente, a não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais e a intervenção de operadores judiciários com formação adequada.
5 – Tendo em vista o cumprimento do disposto no número anterior, privilegia-se a não utilização de traje profissional aquando da audição da criança.
6 – Sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento. No entanto, o n.2 7 do mesmo artigo, reforça o sentido e alcance da audição da criança, impondo:
a) A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especial mente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito;
b) A inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais;
c) As declarações da criança são gravadas mediante registo áu dio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas quando aqueles meios não estiverem disponíveis e dando-se preferência, em qualquer caso, à gravação audiovisual sempre que a natureza do assunto a decidir ou o interesse da criança assim o exigirem;
d) Quando em processo-crime a criança tenha prestado declarações para memória futura, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível;
e) Quando em processo de natureza cível a criança tenha prestado declarações perante o juiz ou Ministério Público, com observância do princípio do contraditório, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível;
f) A tomada de declarações nos termos das alíneas anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela deva ser possível e não puser em causa a saúde física e psíquica e o desenvolvimento integral da criança;
Como se vê nesta última, situações ponderosas desaconselham mesmo a audição da criança e que tem a haver exclusiva mente no interesse deste. Em tais situações, deverá excluir-se a audição quando se encontram patentes debilidades psicológicas ou emocionais que o desaconselham.
Por outro lado, somos da opinião que as audições e recolha do depoimento do menor não sejam consideradas e atendidas quando perante simplicidades de causas ou mesmo grande complexidade e não seja suscetível de ser influenciada pela opinião deste.
A audição de uma criança em tribunal é tema particularmente sensível e coloca a criança numa situação de stress que naturalmente importa atender por todos os pais e profissionais.
Em jeito de conclusão, podemos afirmar que a audição da criança em tribunal é um corolário do direito à palavra e expressão da sua personalidade. Este traduz-se num direito a estar presente em processos e decisões lhe afetam diretamente.
Este direito deverá ser assim garantido e assegurado num ambiente judiciário sensível e com intervenção e cooperação de meios interdisciplinares e dotada de profissionais com formação técnica específica .
POR: NUNO LOPES NUNES Advogado