
Os primeiros resultados de um estudo desenvolvido pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa revelam que perto de 20% das pessoas com mais de 65 anos nunca desenvolvem anticorpos neutralizantes contra a covid-19 após duas doses da vacina da Pfizer em contraste com apenas 2,1% nos menores de 65 anos
O Instituto de Investigação do Medicamento (iMed) da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, em colaboração com várias instituições hospitalares e lares (Hospital Beatriz Ângelo, Centro Hospitalar Lisboa Central, Hospital Garcia d’Orta, Casa do Artista) acompanha desde o início da vacinação da covid-19 um universo superior a 1500 pessoas entre os 20 e os 90 anos.
Este estudo irá avaliar durante 12 meses o desenvolvimento de imunidade antiviral resultante das vacinas através da medição dos anticorpos e a imunidade celular nas diferentes faixas etárias e patologias com baixa imunidade.
Este estudo, que será publicado em conjunto com dados de proteção celular, será importante para mostrar o grau de proteção de longo prazo em diferentes populações.
A infeção por SARS-Cov-2 expõe o nosso sistema imunitário a várias proteínas virais, enquanto as vacinas para a covid-19 introduzem um único antigénio: a proteína da espícula. Da vacinação resulta uma resposta imunitária mais direcionada, mas também mais restrita do que após a infeção viral.
A neutralização dos anticorpos indica o grau de proteção imunológica contra SARS-CoV-2 que ajudará no desenvolvimento de uma melhor proteção das vacinas para controlar a trajetória futura da pandemia.
A determinação dos anticorpos neutralizantes é por isso mais importante que a deteção simples de anticorpos e é um fator reconhecido cientificamente como indicativo da proteção antiviral com base em evidências dos estudos clínicos.
No laboratório, os investigadores testam a neutralização de anticorpos medindo se a amostra de sangue pode inibir a interação entre a proteína do vírus e o recetor ACE2 – esta interação é a forma como o vírus causa uma infeção assim que entra no corpo.
Neste estudo, os dados de um subgrupo de vacinados com a vacina da Pfizer mostram que 97,9% das pessoas com menos de 65 anos desenvolvem anticorpos neutralizantes. No entanto, apenas 81% das pessoas vacinadas com mais de 65 anos produzem este tipo de anticorpos desde o início da vacinação. “Infelizmente, este estudo revela que cerca de 19% das pessoas com mais de 65 anos nunca desenvolve esta proteção imunológica.
Pelo contrário, somente 2,1% das pessoas com menos de 65 anos tem ausência de imunidade neutralizante. Estes números são preocupantes porque temos de encontrar essas pessoas e protegê-las de uma nova infeção”, diz João Gonçalves, investigador principal deste estudo e diretor do Instituto de Investigação do Medicamento.
Apesar deste decréscimo, o estudo revela que os anticorpos neutralizantes presentes em todas as idades atuam igualmente contra as variantes alfa (UK) e delta (India) e em menor grau para as variantes beta (África do Sul) e gama (Brasil).
Os vacinados também parecem desenvolver anticorpos que reconhecem outros coronavírus endémicos. “Quando testámos amostras de sangue dos participantes colhidas cerca de quatro meses depois do início da vacinação, o nível médio de inibição foi 80% nas pessoas com menos de 65 anos e 60% nos maiores de 65 anos, indicando uma produção elevada de anticorpos neutralizantes, mas sempre menor nos mais seniores.
Os anticorpos vão afinando a sua qualidade neutralizante ao longo do primeiros 3-4 meses diminuindo naturalmente a sua quantidade a partir dessa altura.
Devíamos avaliar nas populações mais vulneráveis os anticorpos neutralizantes antivirais, ou seja, a qualidade, e não a quantidade total de anticorpos que não nos diz muito sobre a proteção imunitária”, disse João Goncalves.
As pessoas vacinadas com menos de 65 anos mantêm durante mais tempo os anticorpos neutralizantes e nos maiores de 65 anos a redução destes anticorpos é mais acentuada.
A proteção dos anticorpos parece reduzir-se mais rapidamente com o aumento da idade e não parece haver diferenças entre homens e mulheres.
Mesmo assim, a atividade neutralizante dos anticorpos aos 6 meses após vacinação ainda é superior à atividade dos anticorpos nas pessoas infetadas após 6 meses.
Este estudo revela também que as pessoas infetadas com mais de 65 anos, e posteriormente vacinadas com uma inoculação, não aumentam os anticorpos neutralizantes, ou seja, a qualidade da imunidade não melhora, mas aumenta a quantidade total de anticorpos.
De referir ainda que neste estudo, um pequeno número de reinfeções com a variante delta do SARS-Cov-2 em pessoas com a vacinação completa mostrou o aumento da quantidade de anticorpos, mas a qualidade destes mantêm-se inalterada.
Este indicador parece mostrar que a terceira dose pode ser uma estratégia para aumentar a quantidade dos anticorpos circulantes nas pessoas com baixa imunidade, mas infelizmente parece não melhorar a qualidade desses anticorpos.
“Os resultados intermédios deste estudo mostram a rápida eficácia da vacina para produzir os anticorpos que neutralizam a entrada do vírus nas células, mas menos eficiente nos maiores de 65 anos.
A redução esperada na quantidade destes anticorpos neutralizantes depois dos 4 meses possivelmente será acompanhada de uma memória imunológica que será reativada numa possível infeção.
A boa noticia deste estudo é que esta imunidade neutralizante gerada pela vacina parece ser eficaz para a variante delta que é o vírus dominante neste momento em Portugal. Em breve teremos resultados da resposta imunitária celular ao vírus e que será importante para complementar a eficácia da vacina”, referiu ainda João Gonçalves.